quarta-feira, março 06, 2002

Dia 02/02/2002

Estava eu no meio da Cracóvia. Nossa, é muito longe. Tá certo que existem lugares mais longes de casa que esse, e aonde provavelmente eu vou ainda... Mas é o mais longe que eu fui até agora... Um lugar perdido no meio da Polônia (!!!).

Na verdade chegamos um pouco cedo demais. Tudo estava meio fechado e fomos esperar em um lugar mais quente enquanto eu ia pegar mais informações. Havia dois problemas principais: onde deixar as coisas e como ir para o campo de concentração. Tínhamos ido ali praticamente só para visitar Auschwitz, já que a cidade não tinha muitos atrativos aparentes... Para deixar as coisas tinha um problema, a falta de moedas... E para comprar a passagem de ônibus para ir até o museu era fácil, era só tirar o dinheiro no caixa eletrônico... Foi o que fizemos. Depois de comprar a passagem de ônibus eu consegui algumas moedas a mais (uma delas foi engolida pela máquina de coca que eu achava que dava troco...) e depois de muito trabalho finalmente conseguimos moedas suficientes para os armários. Fomos então para a estação de ônibus fazer uma farofa.

O ônibus até que não era ruim, mas demorou quase uma hora e meia para ir até o museu... Achava que era mais rápido... Ainda tinha uns outros turistas dentro do ônibus que estavam tão perdidos quanto a gente e não sabiam quando saltar... Depois de chegarmos foi só pagar a visita guiada (que com certeza valeria a pena) e esperar o horário de entrada....

Começou com um vídeo feito com várias cenas da época, com fotos e tudo, mostrando os horrores do campo... Tanto que na porta tinha um aviso falando que o filme não era recomendado para menores de 14 anos... Tinha cenas chocantes lá... Algumas das cenas foram as capturadas pelo exército vermelho quando ele finalmente conseguiu liberar a área dos nazistas... As pessoas que ‘sobraram’ lá estavam em uma situação horrível...

A visita guiada começou pelo portão de entrada de Auschwitz I (que era onde ficava o museu...). No portão estava escrito “O trabalho traz liberdade”... Muito profundo isso. A mulher ia explicando a história do campo, falando que aqueles barracões já eram do exército polonês e foram adaptados para a utilização deles. Fomos entrando em alguns deles que faziam parte do museu, com exposições variadas. Logo no primeiro eles mostraram como funcionavam as câmaras de gás e os crematórios... Havia até uma urna com cinzas recolhidas nos crematórios e que estava ali como homenagem. Todo o museu estava povoado com fotos do lugar na época...

O próximo barracão tinha coisas mais horríveis ainda. Cabelos de mulher, por exemplo, eles acharam toneladas... Os alemães usavam para fazer tecidos com o cabelo humano... Tinha sapatos, malas, objetos pessoais... Os judeus (e ciganos e outras nacionalidades também) realmente pensavam que estavam sendo realocados e não levados para a morte... Houve também uma seção mostrando como eles faziam a escolha entre os que podiam trabalhar e os que eram mortos logo na chegada (mulheres e crianças eram geralmente mortos no mesmo dia que chegavam...). Era absurdo por exemplo ver malas de crianças que não tinham nem 1 ano de idade...

Outro barracão era dedicado aos ‘trabalhadores’ do campo. A vida deles era horrível. Acho que se o cara fosse escolher acho que ele escolheria morrer de uma vez... A qualidade de vida de um trabalhador era tão ruim que era raro alguém viver mais de 6 meses... a média de vida era em torno de 3 meses. Havia desenhos mostrando que os caras acordavam de manhã, iam ao banheiro (eles tinham permissão de ir ao banheiro duas vezes por dia só, quando conseguiam), comiam muito pouco... A comida deles então era um absurdo. O café da manhã era um chá meio bizarro, o almoço era quase sempre uma sopa... Ainda tinha o problema de que em uma sopa sempre fica a água em cima, a parte que alimenta mesmo fica mais embaixo e não tinha comida suficiente pra todo mundo, o que fazia com que o pessoal do meio da fila se dava bem... Imagina a quantidade de briga que não tinha para ficar no meio da fila. Ainda por cima os guardas não deveriam ser muito gentis com os prisioneiros... Para piorar a visita ainda tinha várias fotos dos prisioneiros, com o tempo de vida deles no campo. No começo eles registravam todos os trabalhadores, com número, foto... Depois começou a ficar muito caro e eles simplesmente tatuavam o cara e pronto... Muitas fotos estavam na parede...

Tinha ainda uma outra parte que falava sobre os experimentos em cima de prisioneiros, principalmente crianças. Eles ficavam tentando descobrir novos métodos de esterilizar pessoas, para arranjar meios mais fáceis de acabar com a raça impura... Preferiam gêmeos... Lá tinha algumas fotos de crianças maltratadas (muitas delas liberadas pelos russos mas morreram logo depois devido aos maus tratos...). É impressionante...

O último barracão é também o mais sinistro. Conhecido como bloco 11, o bloco de execução, era utilizado para matar prisioneiros de guerra e para punições aos ‘trabalhadores’ que faziam alguma coisa de errado. Por exemplo, quando um prisioneiro tentava fugir ele e outros do seu grupo eram punidos em algumas das celas desse barracão. Era a chamada responsabilidade coletiva. As celas então eram bizarras. Havia uma que tinha janelas tão pequenas que apenas uma pessoa conseguiria respirar lá dentro (chamada obviamente de cela para asfixiar)... Outra deixava os prisioneiros em pé durante toda noite, durante um mínimo de 10 noites, tendo que trabalhar no dia seguinte ainda... Acho que não era uma vida fácil. O subsolo do bloco 11 ainda foi o lugar onde fizeram os primeiros testes com o gás para utilizar nas câmaras, usando como cobaias prisioneiros de guerra russos que demoraram 2 dias para morrer...

Fomos então finalmente conhecer as câmaras de gás e crematórios desse campo. Eles são os únicos que não foram destruídos pelos alemães quando os russos estavam chegando para liberar a área porque era utilizado como abrigo. O clima lá dentro é muito pesado, claro. Várias flores e velas estão lá como homenagem aos mortos lá. Eles matavam na câmara quase sempre as mulheres, crianças e idosos...O que acontecia é que as pessoas que não eram ‘apropriadas pro trabalho’ eram levadas direto para uma câmara onde era dito que iriam tomar um banho, já que todo mundo tinha viajado muito... Na entrada davam até pedaços de sabão para alguns para ficar mais verossímil... Aí, quando todos estavam dentro, desligavam a luz e jogavam o gás por buracos no teto. Logo depois que não ouviam mais barulho, eles ventilavam a câmara, abriam, e começavam a colocar os corpos nos crematórios. Eles tinham uma capacidade muito maior de matar as pessoas que de queimar seus restos...

Bom, a visita guiada naquele campo tinha acabado, e a gente teria que pegar um táxi ou uma carona até o outro, Birkanau, o maior de todos, para continuar. Não conseguimos carona e por isso tivemos que pagar o táxi... Chegando lá o motorista malandrão já marcou com a gente de nos buscar na volta.

Esse segundo campo era um absurdo. Uma verdadeira fábrica de matar pessoas. Havia até uma linha de trem que servia justamente para transportar todo mundo para dentro e diminuir o trabalho. Fomos primeiro aos barracões que foram mantidos (ou recuperados, não entendi muito bem). Alguns eram banheiros, enormes, com vários buracos (sem nenhum tipo de privacidade), sendo que os próprios trabalhadores deveriam limpa-los depois. Apesar de existirem três barracões desses, eles não eram suficientees para todas as pessoas. Ou seja, pessoas iam trabalhar sem poder ir ao banheiro. Os barracões eram galpões de cavalos reformados para colocar os prisioneiros, e tinham umas camas bizarras, que não tinham colchões... A mulher contou outras histórias horríveis sobre as condições de vida deles...

Seguimos pela rua que levava às câmaras de gás. No meio do caminho era onde o trem parava e eram separados os dois grupos de prisioneiros. Os que seriam mortos continuavam pela estrada até as câmaras que ficavam no fim da estrada e o outro grupo ia para os barracões onde eles seriam registrados. As fotos da época são quase todas desse campo, mostrando o processo de seleção. As câmaras de gás (2 grandes e duas pequenas) nesse campo foram destruídas pelos alemães para esconder as provas. No meio das duas há um monumento escrito em várias línguas (das nacionalidades que foram mortas ali, e inglês) aos mortos em Auschwitz... Acho que é o monumento que é mostrado no final da Lista de Schindler.

Foi o fim da visita. Eu também não agüentava mais fazer nada. Fomos só para a entrada onde a gente podia subir para ter uma perspectiva de cima do campo... Eram muitos barracões, muitos mesmo. A maioria foi queimada pelos alemães (já que eles eram de madeira). Encontramos o táxi do nosso amigão e ele nos levou junto com dois australianos a um ponto de ônibus. Voltamos então à estação, compramos umas coisas para comer e pegamos nossas coisas. Foi só em um pequeno passeio que eu vi que a gente não tinha conhecido a cidade e tinha algumas coisas bonitas por lá... Mas não daria tempo mesmo e já estava escuro...

Pegamos o trem, paramos no meio da noite em uma cidade chamada Legnica (o que eu estava mesmo fazendo mesmo no meio da Polônia?) onde esperamos para pegar o outro trem... O segundo foi mais interessante, com os caras pegando os passaportes (e eu quase apanhando porque eu estava dormindo e confundi as autoridades polonesas e alemãs e não querendo dar meu passaporte de novo), mas foi tudo tranqüilo (sem dormir muito, claro).