Dia 06/04/2002
A gente não acordou muito cedo para visitar as porcarias que faltavam porque também ninguém é de ferro... Mas ficar dormindo até tarde também não é do meu feitio, ainda mais durante viagem. Era muito bom estar em uma pensão particular porque em albergue geralmente te expulsam às 10 da manhã, e ali eu pude ficar dormindo até essa hora sem medo de alguem me tirar da cama. Só senti falta do café da manhã. Mas pra isso que servem os mercados da cidade... Compramos ontem uns pães e queijos e tudo acabou bem.
O dia estava horrível, chovendo até bastante... Mas não era hora de ficar reclamando do tempo e sim de se molhar. A sabedoria popular diz que não somos feitos de açúcar mesmo... Tínhamos reservado o dia para visitar os Reales Alcázares, que é um palácio construído na época do domínio muçulmano na Espanha. É a maior atração de Sevilla e mesmo com chuva ela é bem bonita. Disseram para fazer isso mesmo, e ver o palácio de Sevilla antes de ver a Alhambra em Granada porque é bem mais bonito. De qualquer maneira, a riqueza de detalhes é impressionante e os jardins são muito bem cuidados. Após uma volta pelo palácio a gente saiu e visitou a catedral que fica logo em frente, com sua torre da Giralda (outro monumento famoso). A igreja não tinha nada de mais...
O passo seguinte era ir até a Plaza de España de Sevilla. O prédio é muito bonito... É praticamente um prédio que forma um semi-círculo em torno de uma praça e ao longo do prédio há desenhos em azulejos de cada uma das regiões da Espanha... Muito mais tarde eu descobri que ele serviu de local para filmagens do Star Wars - Episódio 2, mais precisamente como um cenário de Naboo. Nesse lugar tinha umas excursões de crianças (francesas) que davam nos nervos, principalmente quando eles resolvem ficar olhando pra gente tentando descobrir qual é a língua que a gente está falando. Às vezes é interessante ficar perto deles só pra ouvir que porcarias eles estão falando (sobre a gente de vez em quando). Mas na maioria das vezes eu chego a ficar feliz quando encontro franceses, quase como se fossem brasileiros... Havia também um cara que ficou enchendo o saco só porque eu perguntei quanto custava as castanholas que ele estava vendendo, mas eu só queria saber o preço... O cara não entendia que eu não queria comprar, só queria ter uma idéia... Ainda por cima me forçou a colocar as castanholas pra ver que elas eram de "boa qualidade", de madeira etc. Saí correndo pra não falar alguma merda...
Estava chovendo um pouco demais e já estava de saco cheio de me molhar. Fomos almoçar (achamos um pequeno restaurante perto do Alcázar muito bom) e ficamos enrolando até a hora da tourada, que era às 6 da tarde. Eu tinha andado tanto no dia anterior que eu não queria mais visitar nada na cidade... Aproveitamos até o tempo de sobra para ligar para um amigo em Portugal e avisá-lo do dia que chegaríamos em Lisboa. Ainda por cima o sol apareceu.
Entramos na arena e fomos levados aos nossos lugares. Como eram os ingressos mais baratos ficamos mais em cima, mas a visão era muito boa. O lugar tem muito menos espaço que um estádio de futebol para sentar e é extremamente desconfortável. Acho que é para obrigar as pessoas a alugar uma almofada. Os assíduos do lugar pelo que eu vi tinham suas próprias almofadas trazidas de casa. Até que encheu bastante rapidamente, mas ninguém ficou atrás de mim dando joelhadas nas minhas costas pelo menos. A tourada pelo programa teria 3 toureiros que iriam enfrentar 6 touros. O sistema era um pouco complicado, mas era mais ou menos assim:
Primeiro entrava o touro e uns três palhaços (não os com a cara pintada e o nariz vermelho) com capas ficavam enchendo o touro até ele ficar bem puto. Depois de um tempo tocava uma corneta e assim entrava um cara portando uma lança em cima de um cavalo com uma proteção contra o touro e com uns negócios no pé para fazer barulho. O seu objetivo era enfiar a lança duas vezes no touro para deixá-lo mais emputecido. Claro que o touro não gostava nem um pouco e tentava meter os chifres no cavalo (ainda bem que ele estava protejido). Tinha horas que ele chegava a levantar o cavalo de tanta força. Tocava a corneta de novo e o cavaleiro saía, junto com uns babacas que entravam junto só pra deixar a festa mais bonita (ou mais ridícula, dependendo do ponto de vista).
Finalizada essa parte, vinha a parte mais engraçada (pra mim, não pro touro). Dois caras tinham que enfiar uns espetos coloridos no touro. Pelo que eu vi eram sempre seis espetos. Cada um dos caras tinha uma chance, com dois espetos, para tentar espetar os dois ao mesmo tempo nas costas do touro. Para isso obviamente você tem que ficar muito perto de um animal que deve ter umas 5 vezes o seu peso e com chifres bem grandinhos... O legal era quando o cara errava, porque ele tinha que sair correndo desesperado enquanto outros com capas tentavam chamar a atenção para longe dele. O grupo era grande, e quando achavam que o touro iria ganhar entrava mais gente na arena para ajudar... Desse jeito nem davam chance pro coitado... Quando o cara conseguia colocar os dois espetos a galera ia à loucura... Quando ele errava eu que ia, porque eu caía na gargalhada e o resto do pessoal ficava me olhando com cara de assustado... Parecia ser uma coisa muito séria mesmo por ali. Ainda por cima os caras para chamar o touro ficavam fazendo umas cenas ridículas, tipo imitar uma galinha ou ficar gritando pro touro que só aumentava a minha propensão ao riso...
Finalmente, depois de terem colocado os espetos e o coitado do touro já estar todo puto, sangrando e um pouco cansado, entra o toureiro todo viado, com sua calça colada, aquele chapéu ridículo (não era só ele que usava aquilo, mas não deixa de ser ridículo só porque todo mundo tinha aquilo na cabeça) e a capa. O seu papel era fazer o que todo mundo conhece como tourada: ficar enganando o coitado do touro e sair da frente dele quando vinha o momento... Eu não entendia muito bem porque as pessoas não gritavam "olé" toda hora que ele conseguia sair da frente do touro e sim quando ele dava umas viradinhas... Também falavam que ele estava fazendo tudo errado quando pra mim o cara era bom... Por isso eu comecei a prestar atenção em um velhinho que estava no meu lado e um cara que estava atrás de mim (anotando até o que os caras tavam fazendo) e só aplaudia ou gritava quando eles o faziam... Tudo corre bem até que o toureiro resolve tirar a sua espada e tentar enfiar a espada na nuca do touro. Eu não sabia que era tão cruel assim. A maioria das vezes o cara errava a espadada e tinha que tentar de novo, até com uma nova espada em algumas vezes. Segundo me disseram ele tem que acertar muito bem para que a espada atravesse a coluna do bicho e ele caia quase que instantaneamente... Eu fico imaginando como é que eles treinam... Deve ter muito churrasco na Espanha mesmo... De qualquer maneira eles acertavam no final. Todas as vezes o bichinho não caía logo, mas depois de um tempinho... Teve um até que não caía de jeito nenhum sozinho e aí ficaram os palhaços em volta dele deixando ele tonto até que ele caiu e deram umas facadas na cabeça dele (a parte mais cruel... deixou-me realmente impressionado). E, finalmente, entra uma carroça ao som de cornetas como se tudo tivesse se passado muito bem e aquilo fosse muito normal e reboca o touro para fora da arena. Finalmente entram uns caras que vão com umas pás para revirar a areia e cobrir o sangue do touro...
Posso dizer que não foi uma das melhores experiências que eu tive, mas que foi interessante para ver a cultura... Acho que eu era uma das únicas pessoas que torcia pelo touro... Na saída a gente jantou e ligou para o pessoal que tínhamos encontrado no dia anterior para que nos levassem a algum bar interessante da cidade. Ficamos conversando em francês com a única garota que foi até umas 3 da manhã... A garota, coitada, ficou tão feliz de poder falar francês com a gente dizendo que fazia uns 2 meses que não mantinha conversa na língua materna. Eu entendo muito bem isso, principalmente porque depois de uma noite falando outra língua eu fico desesperado para descansar um pouco o cérebro e falar português... Talvez seja necessário se acostumar, mas...