domingo, setembro 16, 2001

Dia 15/09/2001

Acabei de chegar da viagem à Carcassonne. A cidade em si é bem pequena, onde a grande atração mesmo é a cidade medieval. Acordei muito cedo para pegar o trem 8 horas na gare aqui de Toulouse, e chegamos lá bem cedo também (é cerca de 1 hora só de viagem no máximo...). Procuramos um Office de Tourisme (sempre tem um por cidade) para pegar um mapa e se achar melhor. No caminho já compramos uns biscoitos para adicionar algum doce aos sanduíches que preparamos (grandes almoços nas viagens, não?). Passamos por duas igrejas no caminho (como no Brasil, várias igrejas por cidade também), e chegamos ao lugar desejado. A mulher nos deu um mapinha dizendo para visitar a cidade medieval (óbvio), a Mairie (prefeitura, que era uma porcaria de lugar, não tinha nada de mais), e uma exposição gratuita no museu de belas artes, que era sobre Camille Claudel. A gente acabou entrando lá, e foi bem legal, porque as esculturas são de uma perfeição incrível... Pode-se quase ver na expressão da estátua o sentimento... é impressionante... Eu queria ir direto para a cidade, mas mesmo assim continuamos lá mais um pouco e acabou sendo um passeio interessante... Tinha uma exposição permanente bem grandinha com pinturas e porcelanas de várias escolas (francesa, holandesa etc). O que eu fico mais impressionado é que o nosso francês deve ser muito ruim, porque toda hora que a gente chega em algum lugar e fala em francês, eles querem falar espanhol ou inglês com a gente... E a mulher ficou surpresa que eu queria o papel explicando as salas em francês, e não espanhol (claro, eu sou do Brasil, como eu saberia francês?). Ela ficou surpresa quando eu mostrei que eu sabia LER o papel... impressionante.

Fomos andando até a cidade, porque era meio perto, apesar de ter um micro-ônibus que leva os turistas até lá... Era melhor para ver o castelo de longe, e para conhecer melhor as coisas... A construção é impressionante vista de longe porque ela é enorme... é uma das maiores construções da época na França se não me engano... Podemos andar gratuitamente por toda a cidadezinha, menos no castel... a gente visitou o caminho que o guia da Folha falava para visitar, e não nos arrependemos... A cidade é algo de bem pitoresco, daquele tipo que dá vontade de sentar em um restaurante e ficar aproveitando a vista e o tempo (que já estava menos frio no momento)... Bom, a gente fez isso algumas vezes (não em restaurantes, mas em banquinhos no sol mesmo), e ficou pensando: como a vida de bolsista é dura...

Queríamos visitar a catedral, mas ela estava fechada na hora do almoço... Ou seja, utilizamos esse tempo para almoçar e ficar conversando um pouco, já que quase tudo na França fecha na hora do almoço também... Continuamos andando até o castelo e entramos. Logo entramos em uma das visitas guiadas. A guia nos resumiu 23 séculos de história do lugar em 10 minutos, desde a ocupação da área antes de cristo, passando pela ocupação romana e galo-romana, até a ocupação pelos francos. A cidade uma época foi abandonada e foi utilizada como fonte de pedras para a construção de casas no resto da cidade, até que alguém teve a brilhante idéia de salva-la, e ela foi reformada no século XIX por Eugène Violet-le-Duc, a mesma pessoa que reformou a Notre-Dame de Paris, entre outros monumentos históricos (ele reformou até a catedral aqui de Toulouse também). A gente fez uma pequena visita ao pátio interior do castelo, onde ficava a lareira (sempre tinha uma... também, nessa porcaria de país frio), e depois subimos na muralha. De lá dava para se ver muito da cidade, que era de onde ficavam observando movimentos fora do castelo... A cidade tem duas muralhas, uma construída no século 3 e 4 (o começo, pelo menos) e a segunda, mais exterior, foi construída na época do rei Luís 9 (o Saint-Louis). Depois disso que ela foi abandonada, porque a cidade de Carcassonne não era mais na fronteira como tinha sido antigamente (a fronteira da França foi para onde a gente conhece hoje em dia, quando tiveram um tratado com a Espanha). Assim, perdendo sua função estratégica, a cidade foi esvaziando, até que reformassem a cidade e ela ganhasse essa função turística. Descobrimos que há varias festas na cidade, notadamente a de 14 de julho, quando há um grande show de fogos de artifício (há um vídeo para comprar lá mostrando uma dessas festas... é magnífico ver fogos saindo da cidade medieval, iluminando todas as construções) e uma festa da Madame Carcas (da qual vou falar daqui a pouco).

Depois desse pequeno passeio, a guia falou da lenda que contam sobre a história do nome da cidade. Contam que uma tal Madame Carcas era a chefe da cidade em algum momento. Em uma dada época, o imperador Charlesmagne resolve fazer um cerco na cidade, para conquistá-la, e esse cerco dura 5 anos. Depois desse tempo, claro, a cidade estava sem comida, mas a tal Madame resolve pegar um porco, alimenta-lo com o que restava de comida, e joga-lo no meio do exército que fazia o cerco. O imperador, vendo que a cidade ainda tinha tanta comida que podia alimentar um porco tão bem, levantou o cerco e foi embora. Aí, para comemorar, a mulher manda todo mundo tocar suas cornetas, e assim ficou o nome: ‘Madam Carcas sonne!’. Claro que a guia falou que era uma lenda, e que o imperador nunca chegou a ir a Carcassonne, e que a gente não devia contar que foi ela que nos disse a lenda... Fazer o que, já disse agora.

Depois disso entramos na catedral... Os vitrais são magníficos, e novamente fiquei lá sentado um pouco ouvindo a música (que sempre existe nas igrejas daqui), e observando os turistas passando... Ainda faltava visitar o castelo de novo, porque como entramos diretamente na visita guiada não tínhamos visitado a grande exposição sobre a reconstrução da cidade. Realmente, era muito grande, com vários documentos, desenhos absurdamente detalhados do arquiteto, e até um cd-rom que estava em computadores lá, com joguinhos, história, auxílios áudio-visuais... Havia um filminho também, que eu achei muito interessante. Ele mostrava cenas de filmes que tinham utilizado como cenário Carcassonne, e entre eles estava aquele filme do Robin Wood com o Kevin Costner (alguém se lembra?). Todas as cenas externas com castelo foram filmadas lá... Depois teve umas cenas que eles gravaram de um helicóptero, e a gente teve que subir em uma escadinha para ver a tela de cima (parecendo que a gente estava voando também). É um dos lugares que eu fui que tinha mais auxílio áudio-visual junto com o passeio, e um dos lugares que eu aprendi mais a história do lugar. O castelo é famoso por ter abrigado um dos centros da religião Cathar, que eram católicos que não aceitavam a autoridade do papa. Então foi criada uma cruzada para destruir os cátaros, e obviamente depois de muita luta eles conseguiram. A cidade em questão foi tomada em apenas 15 dias... Não adiantou muito ter duas muralhas, ser super protegida, porque na época do cerco a população do resto da cidade entrou pelas muralhas, multiplicando a população normal por 20, e assim todo mundo começou a passar fome (óbvio, não precisa ser matemático para saber isso). Lá também tem várias informações sobre essa religião, com livros, filmes etc.

A gente voltou até meio cedo, porque não havia mesmo muita coisa para ver além de lá... Pegamos um trem mais cedo do que tínhamos reservado, e ele estava bem cheio. Sentamos separados, e o trem tava parecendo um daqueles ônibus de muambeiro, com cachorros andando pelo corredor (!!), um cara que tinha saído da prisão (segundo ele) pedindo dinheiro (ou sorrisos para quem não tivesse dinheiro), crianças chorando, pessoas fedidas (mais comum ainda aqui na França)... Ainda bem que eu estava morrendo de sono e dormi a viagem toda... Foi cansativa, mas quando cheguei em casa foi só o tempo de preparar o meu resto de macarrão e cair na cama...